Voluntário pelo mundo




O escritor Ken Budd

A vida do jornalista e editor Ken Budd mudou quando seu pai morreu. Os amigos não paravam de mencionar como aquele senhor os havia ajudado e como a atenção que ele lhes dispensava mudara suas vidas. Budd, então, percebeu que não havia feito nada que importasse na vida alheia, como seu pai. Tinha um bom emprego, um bom casamento, mas começou a sentir falta de “algo mais”.

Decidiu, então, dar um tempo no trabalho e ser voluntário em áreas que gostaria de conhecer. Começou aí uma autodescoberta que percorreu seis continentes e resultou em um livro, “Volunturista – um conto de seis países, amor, perda, paternidade, fé e músicas de Bon Jovi em Belém” (em tradução livre, ainda não lançado no Brasil).

Nesta entrevista, Budd conta o que o motivou a ser voluntário e as lições que tirou depois de visitar Nova Orleans, Quênia, China, Equador, Costa Rica e Cisjordãnia. Segundo ele, é preciso ter em mente que o trabalho voluntário não vai mudar o mundo, mas “pode ajudar os outros – mesmo que apenas fazendo alguém sorrir”.

Leia abaixo a entrevista:

Seu livro começa com uma lembrança de seu falecido pai, que te leva a questionar sua própria vida. O quanto episódios da vida levam alguém ao voluntariado?

Ken Budd: Quando eu estava na Costa Rica, um voluntário inglês me disse que queria ser altruísta em vez de egoísta. Acredito que é por isso que a maior parte das pessoas faz voluntariado. Mas muitas pessoas também estão tentando chacoalhar a própria vida. No meu caso, estava procurando um sentido para a vida, pois não estava lidando bem com a morte do meu pai ao mesmo tempo em que tentava aceitar que eu e minha esposa não teríamos filhos. Então pensei “se não posso ter as minhas crianças, talvez eu possa ajudar a dos outros”.

Qual deve ser o primeiro passo de alguém que quer ser voluntário?

Ken Budd:Se você quiser se voluntariar em um país estrangeiro, há muitos livros e sites que servem de referência. Quando achar uma organização que pareça ser boa, peça para conversar com antigos voluntários. Então faça algumas perguntas básicas: o trabalho foi legal? Ajudou? O que houve de ruim e de bom na experiência? Investigue também o trabalho da organização antes de se filiar para saber se eles criam algum tipo de dependência.

Em um trecho do livro, você afirma “não estou apenas trabalhando de graça, estou pagando por esse privilégio”. Em que medida o trabalho pago se torna um privilégio?

Ken Budd: Me senti privilegiado em servir os outros e também por conhecer tanta gente maravilhosa. Trabalhei em uma escola voltada para crianças especiais na China, fundada por uma mãe de filho autista, pois não há instituições para crianças com necessidades especiais por lá. Ela recebe apoio do governo, mas administra a escola com coragem, determinação e amor. O mesmo acontece com Jane Karigo, que fundou o abrigo de crianças em que eu e minha mulher trabalhamos no Quênia. Ela tem poucos recursos, mas com muita vontade consegue cuidar de mais de 40 crianças. Eu nunca teria conhecido essas pessoas extraordinároas se não tivesse sido voluntário e sou muito agradecido por isso.

Como escolheu os lugares que trabalhou e os projetos?

Ken Budd: Minhas duas primeiras viagens, para Nova Orleans e Costa Rica, aconteceram um pouco repentinamente, mas quando fui voluntário na China, já tinha elaborado um plano. Eu queria ver partes do mundo que nunca tinha visitado: Ásia, América do Sul, África, Oriente Médio. Queria ir a locais que me intimidassem, pois você só conhece a si mesmo quando está fora da zona de conforto. E quis fazer trabalhos diferentes em cada lugar.


Budd em uma escola na Costa Rica (Crédito: Ken Budd/Flickr)

Em seu primeiro voluntariado, em Nova Orleans, você pensou que não tinha habilidades para ajudar as pessoas. Como você percebeu que tinha algo a oferecer?

Ken Budd:Sou jornalista e editor, então ainda não estou certo de que tenho habilidades úteis. Em Nova Orleans, projetos de reconstrução eram feitos para aproveitar quem não tem habilidades manuais. Primeiro, pessoas sem habilidades, depois, técnicos. Mas em todos os locais, aprendi que não é só trabalho que importa, pois acontecem intercâmbios culturais: você aprende sobre as pessoas e o local e as pessoas aprendem sobre você. Essas interações podem destruir estereótipos e concepções erradas.

Você utiliza o termo “volunturista”. Pode explicá-lo?

Ken Budd: Os termos “volunturista” e “férias de voluntariado” são sinônimos, mas a ideia é que você pode ser voluntário durante suas férias em qualquer lugar, de duas semanas a três meses. É uma chance não só de ajudar os outros, mas de experimentar um lugar mais profundamente – mais como um local e menos como um turista. Na China, não víamos outro ocidental e éramos tão estranhos que os locais tiravam fotos de nós. Isso é o legal do “volunturismo”: ele te tira do ônibus de turismo e te coloca nas ruas, interagindo com os locais.

Você também fala sobre um possível impacto negativo do voluntariado em comunidades pobres. Quais são esses impactos e como evitá-los?

Ken Budd: Quando eu e minha mulher trabalhamos em um abrigo de crianças no Quênia, fiquei preocupado com a possibilidade de entrar na vida de órfãos e depois deixá-los, aumentando seus sentimentos de abandono. Já vi estudos afirmando isso, mas quem nos hospedou nos assegurou que as crianças estavam acostumadas com a presença de voluntários. Elas, aliás, tinham três “mães”, além da fundadora da casa, que tinha presença constante. Portanto, acredito que tudo tenha corrido bem. Mas isso mostra as questões que você deve colocar antes de se voluntariar, especialmente quando trabalhar com crianças. Pergunte à sua organização o que elas podem fazer para proteger os pequenos e como o seu trabalho pode ajudá-los.


Ken Budd e voluntária
em escola chinesa (Crédito: Ken Budd/Flickr)

Seu livro pode inspirar outras pessoas a se voluntariar?

Ken Budd: Meu pai uma vez me disse que o sucesso vem ao ajudar outras pessoas a terem sucesso. Acredito que este seja o objetivo do livro. Mas você pode fazer isso não só sendo voluntário, mas também sendo um bom amigo, vizinho, colega de trabalho. Algumas pessoas me disseram que o livro as fez pensar mais sobre legado e como o mundo está sendo abandonado.

E qual lição tirou do livro?

Ken Budd: Depois de ser voluntário em seis países, percebi a sorte que temos de estarmos neste mundo. Ao encontrar com pessoas durante o voluntariado, você percebe o quando a vida realmente é importante.

Que mensagem deixaria para quem quer ser voluntário?

Ken Budd: Apenas se lembre que você não vai mudar o mundo. É difícil fazer a diferença em um curto período. Mas se você trabalhar duro, tiver a cabeça aberta e fizer o que te pedirem, você de fato pode ajudar os outros – mesmo que apenas fazendo alguém sorrir. No Quênia, em nossa última noite, eu e minha mulher fizemos um jantar para mais de quarenta crianças e suas mães. Não foi fácil – levou mais de uma hora para a água ferver no forno de carvão- mas fizemos macarrão e as crianças adoraram. Mais tarde percebemos que a carne que colocamos no molho foi a primeira que as crianças tinham comido em mais de um mês. Então, pequenos gestos têm um grande impacto.