Voluntariado contra o câncer
Voluntários ajudam crianças a desenhar
O voluntariado anda lado a lado com o trabalho do Instituto Nacional do Câncer, desde pelo menos a década de 1950, quando as primeiras campanhas de arrecadação de fundos foram realizadas.
Desde 2001, toda a área de voluntariado do Inca é coordenada pelo INCAvoluntário. Hoje, são 645 voluntários trabalhando em três frentes de trabalho: assistência, humanização e inclusão social. Toda semana, 20 candidatos a voluntário são entrevistados e a seleção é rigorosa, conforme explica nesta entrevista a coordenadora do INCAvoluntário, Emília Rebelo.
Por Vinicius Neder
Quais as principais ações e programas de voluntariado hoje desenvolvidos no Inca?
Emília Rebelo – Temos 645 voluntários, atuando em diversas ações, divididas em três bases. A primeira [base] é assistencial, como todo voluntariado; a segunda é humanização; e a terceira é o resgate da cidadania e inclusão, porque, em geral, os pacientes do Inca ficam sem emprego ou ficam afastados muito tempo durante o tratamento. Muitas vezes eles perdem o emprego ou ficam com sequelas e não podem trabalhar. O Inca é um hospital do SUS [Sistema Único de Saúde] e, quando o paciente está internado ou quando está fazendo tratamento de radioterapia ou quimioterapia, ele tem tudo dentro do hospital, incluindo remédios. Uma radioterapia ou uma quimioterapia podem custar R$ 40 mil por pessoa, mas o SUS garante. No entanto, às vezes, o paciente está tomando quimioterapia, chega em casa e não tem o que comer. Ou então, está fazendo radioterapia, tem que vir todos os dias aqui para fazer a aplicação, e não tem R$ 5 para o transporte. Então, nesses casos, o INCAvoluntário entra em ação, com suas ações assistenciais. Damos bolsa de alimentos, em torno de R$ 1 mil por mês, damos auxílio vale-transporte. Os voluntários quase que garantem a continuidade e a adesão ao tratamento. A gente dá cadeira de rodas, nebulizadores, tudo o que o paciente precisa em casa. Isso, depois que o paciente é analisado pela assistência social.
Os voluntários só atuam após avaliação de assistentes sociais?
Emília Rebelo – Não damos esmolinha. O assistente social dá uma olhada, conversa com os pacientes. Tem muito doente que ganha bolsa de alimentos de um monte de lugar. Então, temos todo o cuidado para que isso daí seja feito de uma maneira bem correta e organizada, para que não haja desvio. Todos os nossos recursos vêm de doações. Então, queremos fazer com que essas doações sejam muito bem utilizadas.
Emília Rebelo, do INCAvoluntário
Quais as ações no eixo da humanização?
Emília Rebelo – O tratamento de câncer é caríssimo, mas nem sempre ele pode dar conforto. Então a gente compra televisão para onde precisa, botamos um sofá mais bonito [no quarto do hospital], os doadores doam quadros e colocamos onde é possível. Tornamos o hospital mais bonito. Temos uma sala de recreação muito bonita para as crianças: em vez de ficar sem fazer nada esperando a consulta, elas ficam numa salinha muito bonita, com videogame, com tudo o que é brinquedo e com voluntários lá para ajudar a fazer desenhos. Todo dia tem alguma atividade: ou vem um palhaço, ou vem um artista contar histórias. E essas crianças ficam ali esperando serem chamadas pelos médicos. As mães têm outro espaço onde os voluntários ensinam a fazer artesanato. Isso nós temos em todas as unidades. Também temos oficinas de mútua ajuda, em que os pacientes se reúnem. Por exemplo, os laringectomizados [pessoas que perderam a voz porque tiveram que retirar a laringe devido ao câncer] se reúnem para, junto com fisioterapeuta e fonoaudióloga, começar a fazer com que o esôfago faça a vez da laringe. Isso é muito difícil, tem que ser aprendido e exige muita força de vontade. Outra coisa de humanização, muito bonita, é um projeto que começou ontem [terça-feira, 22 de março], o “Inca Voluntário em Ação: Cultura e Lazer”. É tudo financiado pela Fetranspor, que manda um ônibus, dá um lanche e uma camiseta. Já tivemos um passeio ao porta-aviões São Paulo, mas o primeiro evento como um projeto foi essa visita de ontem à Casa de Ruy Barbosa [no Rio de Janeiro]. O número que a gente delimitou foi 40 pessoas. Foram 18 pacientes, porque as crianças vão com acompanhantes. Depois da visita teve um grande piquenique. A ideia é promover passeios todo o mês. Estamos planejando ir ao Pão de Açúcar no próximo mês [abril].
E quanto à geração de renda e inclusão?
Emília Rebelo – Quanto à geração de renda, nós temos o ateliê de artes e ofícios. Nesse ateliê, ensinamos informática, inglês, francês, aulas de alfabetização, aulas de bijuteria, pintura em tecido. Há pacientes que hoje ganham a vida com o que aprenderam aqui. Tem um exemplo muito bonito de uma paciente com câncer de mama, que perdeu a mama, ficou desesperada, queria morrer e foi para esse ateliê, aprendeu bijuteria se mostrou uma excelente artesã. Ela virou uma artista e começou a ganhar dinheiro mesmo. O marido a tinha abandonado, ela começou a se enfeitar, e disse uma frase que nos impressionou. Falou que o câncer foi uma coisa boa porque ela mudou toda a vida por conta da doença. Ela conseguiu não só se reintegrar [à sociedade], mas também crescer muito em termos pessoais.
Como é feita a seleção dos voluntários?
Emília Rebelo – Todo mundo diz: para entrar no Inca, parece um vestibular. E, mesmo sendo difícil de entrar, muitas vezes a gente perde muitos voluntários. A rotatividade é muito grande porque o voluntário ainda tem uma cultura (ainda, porque está mudando muito), de ser voluntário porque não está fazendo nada, está sem emprego. Ou então porque está chateado, porque o psicanalista mandou por causa de depressão. Isso não é bom, porque o voluntário tem que ter um compromisso, e não é aqui, pelo menos no Inca, que ele vai melhorar a depressão dele, pelo contrário. Nem é aqui que ele vai conseguir emprego. Então, a primeira entrevista [de seleção] é comigo e com o recursos humanos. Toda segunda-feira as pessoas podem telefonar para cá. Os primeiros 20 são marcados para fazer entrevista na terça-feira, no dia seguinte. Às vezes acaba os primeiros 20 na primeira hora. Toda terça-feira nós fazemos as entrevistas e excluímos a maioria das pessoas. Vemos quem não tem o tempo disponível, quem é menor de 21 anos.
É preciso ser maior de 21 anos?
Emília Rebelo – Não é que a gente ache que jovem não deva ser voluntário, mas o Inca é um ambiente em que você vai lidar com a finitude humana, não é tão fácil como em outras instituições. Como eu não tenho psicólogo para ver se alguém é maduro ou não é, então menores de 21 anos a gente não aceita. Pessoas em tratamento de câncer a gente tampouco aceita. Tem que esperar um ano para terminar o tratamento. E tampouco pessoas que estão com pessoas na família com câncer. É uma pessoa que está ainda muito mexida com esse problema. Então, tem que ter um ano que a pessoa morreu ou ficou boa. São esses os parâmetros.
Como é o esquema de trabalho dos voluntários?
Emília Rebelo – Tem que ter quatro horas semanais disponíveis e sempre. E os voluntários só fazem trabalho de voluntários, não fazem trabalho de enfermagem, psicologia, nada disso. Cada voluntário tem seu papel, que não é de profissional de saúde. Profissionais de saúde não nos interessam muito porque pode dar problema. Profissional de saúde, em geral, vai para os setores básicos, que não lidam com paciente, como bolsa de alimentos, central de doações, bazares. É para não lidar com o paciente, porque de repente ele é um enfermeiro e mexe no soro, e isso é uma falta gravíssima, quando um voluntário mexe em qualquer coisa da parte médica. Depois [de selecionados], os voluntários passam por um treinamento geral com os profissionais de saúde. E depois disso, eles fazem um treinamento em serviço com os coordenadores da unidade. Eles ficam três meses com outro voluntário do lado, e só ganham crachá de voluntário seis meses depois. A gente tem muita rotatividade, mas muitos daqui estão há 20 anos, 15 anos como voluntários.
A estrutura é formada apenas por voluntários?
Emília Rebelo – Não, tem que ter um apoio executivo com funcionários. Para ter um funcionário, você precisa de dez voluntários. Os voluntários trabalham quatro horas semanais. Um funcionário trabalha 40 horas. Para fazer um trabalho executivo, como o meu, tem que vir 40 horas. A secretária tem que vir 40 horas. Quem recruta as pessoas tem que vir 40 horas. Então, temos uma equipe de 10 funcionários, que são os coordenadores da bolsa de alimentos, dos bazares, coordenador de RH, a secretária, o financeiro.
Quais os papéis mais importantes do voluntariado para o Inca?
Emília Rebelo – A grande missão do voluntariado é ajudar na adesão ao tratamento. Se não tem o dinheiro para o transporte, você não vem fazer o tratamento. Você não vem fazer a quimioterapia quando está mal alimentado. Ao fazer com que eles façam o tratamento correto, você está ajudando no tratamento. A segunda missão é na humanização. Um ambiente bom e feliz ajuda para que esse paciente goste de vir aqui fazer o tratamento, principalmente as crianças. Em terceiro lugar, segundo pesquisas e relatos, sentir-se bem e estar com a autoestima elevada melhoram o sistema imunológico e, melhorando o sistema imunológico, você melhora também o tratamento do câncer.
Qual sua avaliação do combate ao câncer no Brasil?
Emília Rebelo – A prevenção ainda não está como deveria. Por exemplo, a prevenção do câncer no colo do útero, apesar de tanta coisa que é feita, a gente ainda vê que falta muito. Em outros tipos de câncer, não há tanto prevenção. Agora, o Brasil é exemplo de prevenção de câncer de pulmão, com os programas antitabagismo. Outros programas ainda estão caminhando. Estão caminhando, mas ainda pouco. Ainda estamos muito voltados para a assistência.
Em termos de tratamento, o Brasil está bem posicionado?
Emília Rebelo – O Brasil tem uma medicina boa, os médicos brasileiros são muito capacitados, mas os serviços de saúde ainda estão muito aquém para atender a todo mundo. O tratamento de câncer é muito sofisticado, muito difícil e muito caro. Mas, tem médicos, pelo menos nos grandes centros, realmente supercapacitados para fazer o tratamento.
Qual sua visão sobre o voluntariado no Brasil?
Emília Rebelo – Os voluntários são uma peça fundamental em todos os níveis da saúde. Acho que em todos os níveis de todas as áreas, do meio ambiente, na terceira idade, nas catástrofes. O Brasil tem essa vontade de ser voluntário, mas muitas [iniciativas] não estão bem organizadas. Então, às vezes, a gente se perde porque não basta ser bonzinho e caridoso. Aqui no Inca, o voluntário aprende a ser não caridoso, mas solidário, fazer com que aquelas pessoas pensem que não são coitadas, que estão ali naquele momento em dificuldade, mas daqui a pouco serão iguais a quem está ajudando.